Por Cris Marques
Fotos: Marcelo Santos
Paulista, moradora de Guarulhos, ex-ginasta, professora e técnica de ginástica artística e acrobática, Ana Cecília sempre esteve envolvida com o esporte e viveu de perto a Olimpíada no Brasil, conduzindo a Tocha Olímpica por aqui, em 23 de julho, e atuando como voluntária no Rio de Janeiro. Em entrevista à RG, ela conta sobre sua carreira, a experiência de vivenciar uma competição dessa grandiosidade “em casa” e o que espera do futuro do esporte na cidade
e em terras tupiniquins.
Ana Cecília Zarantonelli, 52, começou cedo a trilhar seu caminho dentro do esporte, praticando atletismo com apenas 7 anos, no Clube Tietê, onde seu pai, Narciso Zarantonelli (em memória), era esportista. Já a iniciação na ginástica artística (GA) aconteceu pouco depois, motivada por sua enorme curiosidade. “Na época, treinava no Centro Educacional do Jabaquara e, certa vez, demoraram para me buscar; então fiquei passeando por lá. Encontrei uma sala, em um mezanino, com portas de vidro pintadas de branco, o que era muito comum na década de 70. Em um pedaço, a tinta estava raspada, formando um buraquinho. Olhei por ele e vi muitas crianças brincando; não sabia do quê, mas adorei ver tudo aquilo. Depois disso, sempre que terminava meu treino ia lá espiar. Até que um dia, o professor saiu da sala, me viu olhando e perguntou se queria experimentar. Nunca mais saí da sala da ginástica”. Ela relata que o nome dele era Dante e foi seu primeiro mentor. Depois, vieram Antonio Carlos Affini, hoje árbitro internacional de basquete, e José Cintra Torres de Carvalho, o Juca, seu técnico durante dez anos e, segundo ela, um dos melhores que o Brasil já teve.
Em 1985, depois de anos como atleta e um campeonato paulista na conta, Ana graduou-se em educação física pela antiga Osec (Organização Santamarense de Educação e Cultura) e passou para o outro lado do tablado, atuando como professora, formando novos atletas, inclusive sua própria filha, Juliana Zarantonelli, 20. Como técnica de ginástica artística e acrobática, a profissional conquistou oito campeonatos paulistas e cinco brasileiros, e ainda nessa segunda modalidade, integrou a equipe técnica da Seleção Brasileira no Mundial dos EUA (Orlando), em 2012, e foi chefe da delegação brasileira no Mundial da França (Paris), em 2014. “Nasci para ensinar. É uma oportunidade ímpar transmitir o que aprendi durante uma vida de dedicação ao esporte, apesar de ser bem difícil encaminhar essa nova geração. As crianças estão muito mais conectadas, por causa dos celulares, e essa quantidade enorme de estímulos e até ociosidade que a tecnologia traz faz com que elas não brinquem mais nas ruas e nos parques, não desenvolvendo habilidades importantes para o início do aprendizado esportivo, como correr, saltar, escalar, desviar de obstáculos, equilibrar objetos ou se equilibrar”.
Pós-graduada em gestão esportiva e há 20 anos na Prefeitura de Guarulhos, ensinando, atualmente, cerca de 300 alunos com idade entre 6 e 22 anos, ela afirma ter realizado grandes sonhos, mas ainda ter muitas coisas a conquistar. “Meu lema sempre foi fazer o melhor possível, todos os dias. Já entrei em um Mundial como técnica e com a minha filha, que conquistou a vaga por mérito próprio, competindo. Agora, falta ver a ginástica acrobática se tornar modalidade olímpica e ser escolhida técnica da seleção brasileira em uma Olimpíada. […] Estou na minha melhor fase pessoal e profissional. Como pessoa, por ter conseguido criar a Juliana dentro da ética social e esportiva e, na carreira, por sentir que estou preparada para enfrentar todas as situações dentro da profissão, compreendendo melhor a relação técnico/atleta. Também está sendo um dos anos mais importantes por causa dos Jogos Olímpicos”, ressalta.
Participação olímpica
Em 2009, quando Ana Cecília recebeu a notícia de que o Brasil sediaria a Olimpíada de 2016, já sabia que gostaria de participar de todo esse processo. “Fiquei esperando começar a chamada de voluntariado que, de acordo com a Confederação de Ginástica, seria no início de 2015. Chegada a época, fiz minha inscrição e coloquei todas as experiências anteriores, inclusive minha participação na abertura da Copa do Mundo, em 2014, e meu profundo conhecimento de ginástica. Sempre me vi fazendo parte disso, primeiro por ser uma Olimpíada e depois porque ela estava muito mais acessível, por ser aqui. Mas a ansiedade foi muita e cheguei a achar que não daria certo”. Entre 240 mil inscrições, a professora foi uma das escolhidas como voluntária pelo Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos pouco tempo depois de ser confirmada entre as personalidades que carregariam a Tocha Olímpica em sua passagem por Guarulhos.
“Estou nisso desde pequena e sei o quanto todos os envolvidos precisam suportar e vencer para levar adiante o esporte no País. Conduzir o Fogo Sagrado pelas ruas da cidade foi maravilhoso e nem sequer consigo mensurar a emoção. Chorei muito, do início ao fim, e ainda estava anestesiada uns dois dias depois. Ainda hoje me emociono ao lembrar”. Sobre a experiência no Rio, a professora, que atuou como assistente de local de treinamento e competição (Field of play & training team member), afirma ter sido um grande aprendizado esportivo, técnico e de gestão. “Meu papel era checar todas as credenciais dos atletas e técnicos na entrada do ginásio de treino e competição. Tudo estava lindo e bem feito. Lógico que tivemos alguns problemas, mas as equipes de trabalho, em todos os níveis, estavam empenhadas em fazer dessa edição uma das melhores. Estar no meio de tudo aquilo não tem preço, foi uma experiência inigualável”.
Futuro esportivo
Funcionária pública, Ana se aposentará em 2017 e ainda não definiu se vai continuar na área técnica ou se prefere direcionar-se para a gestão esportiva e pública. Mas o que ela sabe bem é o que espera do futuro. “O esporte no Brasil ainda está gatinhando, não temos estrutura, exceto alguns locais, e nem dinheiro investido, temos poucas pessoas realmente capacitadas e com vontade e conhecimento para fazer a área crescer. Isso porque a prática esportiva é uma grande ferramenta de prevenção de saúde, melhoria social e retirada de crianças das situações de risco, em casa ou na rua. Mas o assunto só surge quando há campanha eleitoral e, depois, é rapidamente esquecido. Espero que isso mude e a gente tenha um futuro com mais atividades esportivas e de lazer, maior acesso da população, cursos de educação física com mais qualidade de ensino, profissionais competentes e melhores investimentos”, finaliza.