Por: Jônatas Ferreira
Fotos: arquivo pessoal,
banco de imagens e divulgação
Chegar em casa e observar que alguém está vidrado em frente à televisão,
tapando o rosto com o cobertor, enquanto a cena sinistra se desenrola é no mínimo curioso. Mesmo com o medo nítido, a pessoa (ou até mesmo você) não desgruda os olhos do filme recheado do mais puro horror. Por quê?
Cena semelhante acontece nas salas de cinemas de todo o mundo, onde ansiosos pagamos para levar sustos. A realidade está mais do que exposta à nossa frente: O Exorcista, aquele que une espíritos, padres e demônios em uma produção fantasmagórica e horripilante, faturou 200 milhões de dólares. Atividade Paranormal, e seu apelo midiático ‘não assista sozinho’, com meros US$ 15 mil de orçamento, rendeu incríveis 197 milhões de dólares.
Procuramos a psicóloga e psicanalista Cleise Cinira Porto para nos explicar o porquê de o terror atrair tanto as pessoas, uma vez que, por questões lógicas, deveria espantar. “Tudo acontece por prazer”, resume a especialista.
Sentimos prazer ao tomar sustos por causa da dopamina, responsável por trazer sensações de prazer depois de sentir tensão – isso explica também o gosto pelas diversões radicais. O outro ponto está relacionado com o tino curioso do ser humano. “O sobrenatural orbita na ordem do mistério. Isso faz com que as pessoas queiram desvendar. Elas pagam, assistem e vão até naquele cinema que tem todas as sensações”, pontua.
A vida que a pessoa leva também pode dizer alguma coisa. Quem tem contato e acredita no lado místico da vida terá mais medo ou curiosidade em ver filmes relacionados a espíritos, por exemplo.
Tudo começa desde a infância e tem a ver com o nosso inconsciente. “Três anos de idade é a fase em que as crianças têm muito pesadelo. Então é uma forma do inconsciente mostrar os medos dela e trabalhar em cima disso. Quando entra na fase da adolescência, vigora a frase ‘eu tenho que ser aceito por determinado grupo’. É comum que os amigos digam coisas como: vamos ver se você é corajoso para assistir tal filme que está no cinema. Quando adultos, é a imunização contra possíveis medos da vida cotidiana, como um serial-killer”, esclarece.
Mas o grande ponto está em saber que aquele terror tem um fim, além de uma enorme tela separar a ficção da realidade. O best-seller nacional André Vianco explica que “se é um livro, você fecha as páginas e interrompe aquele fluxo. Se é um filme, você para. Se é um game, você dá um tempo. Acho também que todo mundo tem um lado escuro dentro de si e acaba se conectando a essas sombras quando lê ou assiste o terror”, conta o escritor que tem a mistura do terror, suspense, fantasia e romances em histórias de vampiros que se passam no Brasil. Seu principal livro “Os Sete” está sendo distribuído atualmente pela editora Aleph.
É interessante saber que o gosto por esse gênero pode revelar desejos do nosso inconsciente. É, parece que todo mundo tem o lado sombrio da força. Você nunca planejou algo apavorante em sua mente?
O Sobrenatural
Para exemplificar o ensejo do sobrenatural, temos o fantasmagórico Poltergeist (1982) que reúne fatos no mínimo intrigantes, como as mortes precoces de artistas e técnicos do elenco. Uso a frase icônica de Shakespeare para fundamentar que nada é descartado: “Há mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar a nossa vã filosofia”.
O que é o medo?
Esse sentimento é um mecanismo de defesa ativado para podermos preservar a nossa existência. Ainda segundo a psicóloga, “se nós não tivéssemos o medo, a raça humana já teria sido extinta”. Ele funciona mais ou menos assim: em uma situação de eventual perigo, o corpo prepara você institivamente para confrontar ou fugir. As características, como suor e batimentos acelerados, são algumas reações do organismo.
Pode ser desde um leve desconforto a um estado pleno de pavor. Algumas têm esse sentimento patológico (quando o indivíduo é atingido profundamente, em nível físico, psicológico e social), ou seja, a fobia, que é quando o sentimento paralisa a pessoa e não a prepara para os dois aspectos supracitados.
Sexta-feira 13 e Halloween
A superstição da sexta-feira 13 vem de longas datas. O dia é considerado de mau-agouro perante a numerologia, por ser considerado um número irregular. Por exemplo: há 12 apóstolos de Cristo, 12 meses no ano, 12 constelações do zodíaco. A sexta foi o dia em que Jesus morreu e também é considerado um dia impopular. O cinema imortalizou a data com a sequência de filmes de Jason Voorhees.
No dia 13 de outubro de 1307, o rei Felipe IV teria ordenado a perseguição dos Cavaleiros Templários. Em 1968, foi nessa fatídica data que o governo militar decretou o AI-5, que suspendeu direitos e garantias políticas, decretou estado de sítio no Brasil e deu poderes aos militares de fechar o Congresso. Em 2015, Paris sofreu ataques terroristas, que mataram cerca de 130 pessoas e feriram cerca de 400.
Já o Dia das Bruxas é celebrado no dia 31 de outubro, véspera do dia de Todos os Santos. É um mito celta que data mais de 2500 anos. Eles acreditavam que os espíritos saíam dos cemitérios para tomar o corpo dos vivos. A Igreja Católica perseguiu quem comemorava essa data. No Brasil, não é tão celebrada.
Rola por essa data o mito de Jack, um bêbado que fez um pacto com “o tinhoso” no dia 31 de outubro. Há também a lenda das bruxas que faziam várias maldades durante esse dia.
Os símbolos do medo
A humanidade sempre teve símbolos do terror que marcaram os filmes e a literatura. De uns tempos para cá, a realidade começou a ocupar o espaço do que era ficção. O terror, que existia apenas na imaginação, tornou-se um tanto mais perceptível. Note que em décadas passadas o vampiro e o lobisomem eram as grandes figuras do horror. Hoje, são fashions e até brilham no Sol. O terror mais próximo deste século tem a ver com pragas e vírus que dizimam a espécie humana. Basta ver o sucesso de The Walking Dead e tantos outros filmes de riscos biológicos.
Mas o início vem muito antes de Cristo. Por exemplo: o medo do homem pré-histórico era o de ser devorado por outros animais. Na Idade Média, a Igreja Católica implantou o temor às bruxas. Com a descoberta de Marte, teve início o medo dos alienígenas. Frankenstein foi o primeiro monstro criado por mãos humanas e a ciência também se tornou um subterfúgio para as produções. Nos anos 2000, o ataque das Torres Gêmeas pode representar um medo ainda mais real: o do terrorismo. “O terror habita os lugares mais profundos e secretos de todos nós e, quando sentimos medo, nosso cérebro cria sensações que nunca tivemos antes e nos faz abrir portas que nem sabíamos que existiam. Isso vem de um filme de terror, de um livro que arrepia a espinha, ou mesmo de uma sombra na janela”, esclarece Raquel Moritz, 25 anos, responsável pelo Marketing da editora DarkSide.
Raquel conta que sua primeira lembrança com a temática foi com os filmes slashers (sug-gênero caracterizado por assassinos em série). “Eu acabava assistindo com meus irmãos mais velhos. O cara que mais assustava era o Freddy Krueger, por atuar num campo em que eu não teria como fugir: os sonhos. E os pesadelos vinham, isso eu te garanto. Alguns anos mais tarde, eu li Horror em Amityville e fiquei chocada com a história – ainda bem que me recuperei; o horror hoje é matéria-prima do meu trabalho com a DarkSide”.
A editora especialista em livros de terror, apesar de nova no mercado, já vendeu mais de 500 milhões de cópias em todo o Brasil. Isso é mais do que prova de que esse tipo de conteúdo, ao invés de espantar, atrai. A publicitária conta que o livro O Demonologista, de
Andrew Pyper, é um dos que mais fazem sucesso (afinal, só o nome já dá medo, não é?). “As nuances psicológicas da obra provocam questionamentos diversos e é comum os leitores apresentarem várias teorias sobre o fim do livro que, nas palavras do próprio autor, tem a intenção de usar as crenças do leitor – sua própria jornada de fé – definindo como o livro funciona para ele”, conclui.
Existe fórmula?
O escritor André Vianco explica que na literatura, por exemplo, não existe fórmula mágica. É uma coisa de sensibilidade. “O terror funciona muito quando você faz o convite ao leitor para visitar certos lugares obscuros na história e, eventualmente, dentro dele próprio, de trabalhar com seus medos. Isso, aliado à adrenalina da ação que gosto de colocar em minhas aventuras, mexe com as pessoas. O que eu mais amo é colocar o leitor dentro da história, fazê-lo sentir-se lá dentro daquele quarto com meus personagens”, esclarece.
Literário, cinematográfico e musical
Há um acervo completo para os amantes e aventureiros do gênero. Por meio da degustação desse conteúdo, podemos bancar o valente, negando nossos sentimentos de temor. Pare para observar que os filmes sempre retratam características que para nós soam familiares, considerando medos comuns, mas sempre profanados. Nessas obras sempre existirá uma espécie de herói, mesmo que temeroso, que opta por enfrentar o perigo. “O temor, o medo, está nas bases da sociedade e sempre fez o homem buscar respostas e se aparelhar para suplantar a escuridão; buscar a luz é buscar o conhecimento e conhecer é deixar de temer”, acrescenta o escritor André Vianco.
Os contos de fadas nas versões das Disney são produções belas, regadas dos mais puros e fortes sentimentos. Contudo, suas versões originais são macabras. Isso porque o gênero surgiu exatamente dos contos. Sim, temos uma história da Bela Adormecida não tão bela assim.
Nos livros, um dos grandes representantes é Edgar Alan Poe, o mito considerado o precursor do gênero. H.P. Lovrecraft não fica atrás: suas descrições são capazes de dar arrepio nas espinhas em qualquer leitor. Stephen King, atualmente, é considerado o rei do horror e, não à toa, suas obras facilmente ganham as telonas e cada vez mais adeptos. São alguns exemplos: Carrie, a Estranha e Colheita Maldita. Vale ressaltar que a grande maioria dos filmes são inspirações de bons livros.
No cinema, foi em 1897 que George Méliès fez o primeiro filme de terror: The Devil’s Castle (O Castelo do Demônio), com duração de três minutos e mostrava um morcego que se transformava em homem e tinha poderes para evocar criaturas sobrenaturais.
Na década de 60, vimos grandes obras de terror nascerem. A Noite dos Mortos-Vivos, em 1968, é um bom exemplo. Dez anos depois, surge Michael Mayers, o cara da máscara branca no filme Halloween. Esse personagem ficou por anos na categoria de mais assustador.
Em 1974, O Massacre da Serra Elétrica, filme independente, de baixo orçamento, baseado em um assassino real, vem para nos cerrar de medo. Aliás, esse filme foi banido de muitos países por sua sanguinolência. Desde então, tem a reputação de ser um dos melhores filmes do gênero.
Mas foi nos anos 1980 que as telas nos apresentaram dois grandes ícones (ou os maiores) do horror: Jason Vohees, em Sexta-feira 13, e Freddy Krueger, em A Hora do Pesadelo. Além dos já citados, outros grandes filmes também marcaram o cenário: Terror em Amityville (1979), Pânico (1996), O Chamado (2002)… Não preciso falar do Chucky, não é mesmo? A lista de bons filmes que fazem o mais puro horror saltar da tela é imensa.
Nos games
A indústria de videogames é lucrativa e disso não há discordâncias. O terror surfa nessa área e concede aos ávidos desse gênero muitos títulos. As franquias Resident Evil, Silent Hill, F.E.A.R e outras são exemplos riquíssimos que levam o jogador a imergir em mundos fúnebres e enfrentar os grandes medos que cercam nossa realidade.
Enquanto isso, no Brasil…
Os anos 60 não foram só tempos férteis para a produção internacional, mas também para o Brasil. José Mojica Marins, o Zé do Caixão, surge com suas obras sinistras À Meia-Noite Levarei Sua Alma (1964), Esta Noite Encarnarei No Teu Cadáver (1966) e O Despertar da Besta (também conhecido como Ritual dos Sádicos, de 1969). No exterior, sobretudo EUA, Mojica, o cara das icônicas unhas, capa e chapéu preto, é amplamente conhecido (e também reconhecido) como Coffin’ Joe.
Infelizmente, o terror no Brasil nunca ganhou muito destaque. A Globo abriu as portas para uma pitada desse gênero com a sua nova série Supermax. Vamos ver como o público se comporta com esse tipo de conteúdo na TV aberta. Ao que tudo indica, terá uma segunda temporada para 2017. “O Brasil precisa voltar a produzir cinema de verdade, como na época da ‘Boca do Lixo’. Existe um público ávido pelo cinema de gênero, existe um número grande de cineastas independentes produzindo terror. Mas o Brasil preocupa-se mais com seus escândalos políticos do que, verdadeiramente, investir em arte-cultura, para que o nível possa, cada vez mais, equiparar-se ao que vem de fora. Mas, num país onde artistas são chamados de vagabundos por autoridades que deveriam incentivar e alavancar a arte nacional, o que se pode esperar?”, pontua o guarulhense e produtor do gênero de horror com pegada clássica, Rubens Mello, que tem sido requisitado em festivais e mostras de gênero no Brasil e fora dele. Em 2011, Mello produziu a Mostra de Cinema Fantástico de Guarulhos, o ”Guaru Fantástico” – a primeira mostra internacional do município, com a participação de diversos diretores, sendo um deles Mojica.
Vale dizer que Machado de Assis já usufruiu deste gênero para escrever os contos A Causa Secreta e Sem Olhos. “Temos uma cultura vasta e personagens ricos no nosso folclore. Temos um terror que reverbera muito mais fora do país do que aqui dentro. Consumir cultura é um hábito que nem sempre é estimulado como deveria. A ‘arte’ privilegia o pensamento crítico. Talvez, esse seja o verdadeiro terror: a falta de incentivo e estímulos às produções”, conclui Mello.
Aproveito o momento e oportunidade para dizer que temos de ser mais consumidores nacionais e saber apreciar os bons conteúdos que o povo tupiniquim pode oferecer. Nas livrarias, procure pelos brasileiros. Nos cinemas, também. Vamos nos unir para deixar de lado o complexo de vira-lata. Para isso, cito o autor de tal expressão, o dramaturgo Nelson Rodrigues: “O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem”.
Cleise Cinira Porto
Psicóloga e Psicanalista
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