Por Val Oliveira
Fotos: Arquivo pessoal,
banco de imagens e divulgação

O dia primeiro de abril é conhecido como o “dia da mentira”. Pensando nisso, decidimos falar sobre esse comportamento que, à primeira vista, pode parecer inofensivo e até engraçado, mas que pode ser prejudicial a quem mente e a quem está por perto. Mas, o que leva as pessoas a mentir? Existe alguma forma de precaver-se ou detectar uma mentira?
A comunicação é inerente ao ser humano. As maneiras de externar um pensamento e fazer-se entender vão além da fala e da escrita. “Estudos indicam que cerca de 55% da comunicação entre duas pessoas é não verbal. A tonalidade, a intensidade e outras características da voz correspondem a 38% do que é transmitido. Já o que é falado representa apenas 7%.” A linguagem corporal, sutil e inconsciente, revela o que a pessoa não comunica verbalmente, e, desse modo, a PNL – Programação Neurolinguística pode ser a ferramenta auxiliar na “delação” de mentirosos contumazes.

Como reconhecer uma mentira

 

Por meio da linguagem corporal, a forma como a pessoa se comporta, é possível perceber se ela está mentindo. Veja alguns destes sinais:
1. Corpo no geral: pode parecer contraído e reprimido. Braços e pernas reforçam esse aspecto;
2. Olhar: o mentiroso evita olhar diretamente nos olhos da outra pessoa. Inconscientemente, ele acredita que se o fizer será imediatamente desmascarado. Nos casos de contato visual, os olhos tendem a se mover, geralmente, ficando em uma posição acima, à direita do globo ocular;
3. Cabeça e pescoço: tendem a ficar virados de modo que o rosto não fique na direção do interlocutor. Os movimentos podem parecer mecânicos e incomuns;
4. Mãos e braços: podem produzir gestos que sugerem a vontade de tampar o rosto. Podem demonstrar movimentos que transmitam retraimento ou tentativa de proteger o corpo (braços cruzados);
5. Pés e pernas: apontam em direção à saída como se estivessem prontos para fugir do ambiente;
6. Boca: mordem ou lambem os lábios.

A PNL explica

Willian Lin, head trainer, master em programação neurolinguística pela Sociedade Brasileira de PNL, facilitador do instituto i9c, que alia coach e PNL, acredita que a mentira pode surgir por várias razões: “Receio das consequências, quando tememos que a verdade traga consequências negativas; insegurança ou baixa de autoestima, quando pretendemos fazer passar uma imagem de nós próprios melhor do que a que verdadeiramente somos; por razões externas, quando o exterior nos pressiona ou por motivos de autoridade superior ou por coação; por ganhos e regalias, de acordo com a tragédia dos comuns, se mentir trará ganhos, vale a pena mentir já que ficamos em vantagem em relação aos que dizem a verdade; ou por razões patológicas”, explica.

Valores X Mentira

A mentira pode ter reflexos em vários setores da vida. O modo como vivem e se comportam demostra quem as pessoas realmente são e pode ser determinante para os rumos da vida pessoal, profissional, social e amorosa. Segundo Willian, quem mente indiscriminadamente demonstra que valores como amizade, cumplicidade, integridade, ética, caráter e confiança, que são os alicerces das relações humanas, não são importantes e valiosos como poderiam ou deveriam ser.

Mentira patológica

O profissional entende que a mentira pode ser uma patologia e como tal precisa ser tratada, e que a maioria dos comportamentos do ato de mentir está associada à ansiedade e ao desconforto, e não por existir algo para ser escondido. “Uma pessoa tímida ou amedrontada, que está falando a verdade, pode mostrar muito mais sinais de ansiedade e desconforto do que alguém que esteja mentindo, mas que possui uma personalidade calma e segura. […] A análise do comportamento não verbal da mentira deve ser realizada levando-se em consideração vários comportamentos não verbais. Além disso, as pistas não verbais da mentira não são as mesmas para todas as pessoas. […] Antes de suspeitar que alguém possa estar mentindo, é importante conhecer o comportamento natural da pessoa”, alerta.

A psicologia e a mentira

Rose Guedes, psicóloga clínica e responsável técnica pelo Instituto Flowir, declara que o que leva as pessoas a mentir, na maioria das vezes, é a busca de um alívio momentâneo para uma situação conturbada e de estresse. “Normalmente, a mentira é um meio e não um fim para uma situação adversa”, diz.
Para ela, é importante buscar ajuda quando a pessoa já não consegue distinguir entre o que é verdade ou mentira, o que pode ser indício de algum distúrbio psicológico ou psiquiátrico. Contudo, é preciso cuidado ao classificar o ato de mentir como doença. “Não podemos relacionar a mentira à depressão e à ansiedade sem um contexto. A mentira se torna patológica quando passa a ser um comportamento comum, e pode ser identificada através de observação clínica e testes psicológicos”, informa.
A psicóloga afirma que todas as pessoas mentem e que esse comportamento tem por finalidade, através de falas fantasiosas, conseguir a admiração e atenção de outras pessoas, Para ela, a mentira é aprendida, pois ninguém nasce com esse “dom”. “A cada quatro vezes que as pessoas se relacionam com outras, em pelo menos uma vez elas contam uma mentira, que é comportamental”, explica.

Tratamento psicológico

Rose diz ser importante salientar que para a mentira patológica existe tratamento e que, neste processo, a psicologia pode ser muito útil. “A terapia cognitivo-comportamental auxilia através da identificação dos pensamentos distorcidos e dos ganhos imediatos desse comportamento. É necessário proporcionar ao paciente um autoconhecimento e fazê-lo entender o que foi determinante para que esse comportamento se instalasse e qual sua função. Através de técnicas, é possível reestruturar e dar novos significados a esses comportamentos”, pontua.

Outra opinião

Leticia de Oliveira, psicóloga, especialista em análise do comportamento, entende que a ansiedade e a depressão podem levar o indivíduo a desenvolver a compulsão por mentira, a mitomania. “Isso porque a pessoa que está deprimida acaba se sentindo pouco importante, e uma das maneiras dela voltar a se sentir importante é contando algo que possa impressionar as pessoas. Já a ansiedade, quando em excesso, precisa ser compensada, e alguns acabam, inconscientemente, escolhendo compras; outros, comida e alguns, a mentira. Mentir compulsivamente é sinal de insegurança, baixa autoestima e ansiedade crônica. A diferença da pessoa que mente casualmente da pessoa que mente compulsivamente é a consciência de que aquilo é mentira. O mentiroso compulsivo não admite que mente, e acaba se afastando das pessoas que não acreditam mais nele”, explica.
Para ela, faltar com a verdade, geralmente, é motivo de muita vergonha porque, socialmente, aprendemos que o correto é dizer a verdade. “A pessoa que mente não é respeitada pessoalmente e nem profissionalmente. Nascemos com reflexos para nos livrar de consequências aversivas. Uma criança que leva um choque ao colocar o dedo na tomada ficará com medo e inconscientemente entenderá que tomada não é algo bom. Aprendemos, aos poucos, nos livrar de punições e com isso vamos desenvolvendo a mentira. Eu acredito que a mentira é algo do ser humano e que precisa ser trabalhado socialmente para não acontecer. O mentiroso sofre, porque fica sempre em estado de alerta, muito ansioso, com medo de que seu segredo seja desvendado”, detalha.

A visão da psicoterapia

A psicoterapeuta Socorro Leite, palestrante e autora de livros sobre o desenvolvimento e a valorização humana, entende que a mentira acontece para atenuar o impacto que a verdade teria. “Mentimos para evitar magoar alguém com quem nos importamos, situações embaraçosas ou para não sermos punidos. No entanto, mentir é sinônimo de enganar, iludir ou ludibriar. […] A mentira para a mente humana é uma grande arma de preservação social. […] Quando a mentira se torna um padrão comportamental, ela se torna um distúrbio psicológico denominado Mitomania”, esclarece.
Para ela, mentir pode ter como fundo aspectos mentais. “Esse distúrbio pode ter origem na baixa autoestima da pessoa e na supervalorização de suas crenças, com o não enfrentamento da angústia ou frustração. Para um mentiroso compulsivo, dizer a verdade pode chegar a ser muito estranho e desconfortável. Ele usa a mentira como uma ferramenta de consolo, para sentir-se mais calmo e satisfeito consigo mesmo, mascarando suas angústias”, diz.

Tratamento psicoterápico

Socorro explica que o estudo do distúrbio da mitomania é feito pela psicologia clínica, através da abordagem Transtorno Cognitivo Comportamental- (TCC) e que além de acompanhamento psicológico e psicoterápico, em alguns casos, o tratamento medicamentoso pode ser recomendado. O diagnóstico da mitomania pode ser feito pelo médico psiquiatra ou psicoterapeuta após avaliação clínica. “A mentira não pode ser detectada por exames laboratoriais, somente usando técnicas psicológicas ou análises de reações físicas. […] Nosso cérebro não aceita a negação. Quando a pessoa mente, está negando a verdade e alguma parte de sua expressão facial ou do corpo vai denunciá-la. A terapia trabalha a reflexão sobre os próprios comportamentos, o desenvolvimento do autocontrole, aumento da autoestima e o comportamento de dizer a verdade”, declara.
A psicoterapeuta também concorda que todas as pessoas mentem e que a mentira é aprendida na infância. “Em uma conversa de 10 minutos, as pessoas falam em média, de duas a três mentiras. […] Quem diz que não mente está mentindo. Falar a verdade ou contar uma mentira são comportamentos verbais aprendidos e mantidos pelas consequências que produzem. O nosso cérebro aprende por repetição. Esse aprendizado acontece progressivamente ao longo da infância e os pais são os principais mestres”, afirma.
Sobre suas experiências vividas no consultório envolvendo um mentiroso compulsivo, a psicoterapeuta relata: “Atendi um paciente que sofria de mitomania desde os seis anos. Seu maior sofrimento era gravar a diversidade de assuntos e depois ter que lembrar o que era verdade e o que era mentira. […] Após a terapia, identificamos que o paciente sofreu muita privação na infância e tinha como motivação emocional o desejo de aprovação. […] Lentamente, ele foi deixando o vício da mentira e restabelecendo os laços afetivos, com o aumento da autoestima”, conta.

Você sabe algum fato ou história sobre mentira?

No intuito de capturar casos pitorescos envolvendo mentiras, lançamos a pergunta no Facebook. Diante do momento de crise pelo qual passa o País, a classe política foi logo mencionada por não cumprirem o que prometem durante as campanhas eleitorais. “Parece que vivemos em um eterno primeiro de abril”, disse Fabian Noda em um dos comentários. Acompanhe outras lembranças dos internautas:

Mentira do direito autoral
Nilza Maza “Um amigo de mais de 20 anos ia sempre me assistir cantar em um barzinho e, gentilmente, gravava minhas apresentações e colocava os vídeos no Youtube. Em um primeiro de abril ele me ligou, com a voz muito séria, perguntando se eu conhecia algum advogado especialista em direitos autorais, pois a Polícia Federal estava na porta da casa dele por ele divulgar vídeos de canções de compositores consagrados, sem autorização. Fiquei desesperada […] Arrumei um advogado e liguei para o querido amigo videomaker. Ele, timidamente, disse: ‘primeiro de abril’. Xinguei até a oitava geração da família dele. Ele ficou muito constrangido ao perceber que a brincadeira tomou uma enorme proporção. Todo primeiro de abril, eu mando mensagem para ele dizendo que haverá volta. Isso tem, aproximadamente, uns oito anos.”

Mentirinha do bem
Marcelo Duarte Jatobá “Meu filho, o Nícolas, quando tinha sete anos, estava doido para ganhar uma bicicleta de Natal. Aí, eu sacaneei. Comprei a bike e a escondi nos fundos de casa. Como o presente principal dele, comprei um saquinho com bolinhas de gude. Para minha surpresa, ele amou as bolinhas de gude e nem se lembrou da bike. Aí, eu disse que estava escutando as renas e o Papai Noel passando por cima da casa. Ele arregalou os olhos e ficou olhando pro céu, procurando. Lindo (rs)!. Aí, no quintal, fomos caminhando até os fundos. E lá estava a bicicleta. Ele ficou alucinado de alegria. E, claro, fomos pra rua pros primeiros rolês dele”.

Campanha do ouro
Álvaro Levadinha “[…] Uma grande mentira, e que muitos cidadãos caíram feito patos – incluo aí meus pais, que doaram o que tinham, que era pouco, mas suado – para a campanha “Ouro para o bem do Brasil”, que trocava ouro de verdade por essa aliança de latão.”

 

Histórias reais de um mentiroso

O filme VIPs, estrelado por Wagner Moura, tem como enredo a vida de Marcelo Nascimento da Rocha, um dos estelionatários mais bem-sucedidos do Brasil. A trama real também foi sucesso editorial por meio do livro VIP’s – Histórias reais de um mentiroso, de autoria de Mariana Caltabiano, com a venda de 50 mil exemplares. Em seus “apliques”, o ardiloso rapaz já assumiu 16 falsas identidades. Passou-se por líder do PCC em uma rebelião no presídio de Bangu I, no Rio de Janeiro; guitarrista da banda Engenheiros do Hawaii; policial de grupo de elite; olheiro da seleção brasileira de futebol; campeão de jiu-jitsu; repórter da MTV; produtor do Domingão do Faustão; e filho do dono da Gol, Henrique Constantino, durante o Recifolia, em 2001. Foi justamente essa última atuação que lhe rendeu a prisão. Além de curtir a festa em camarote cercado de bacanas e fotografado por muitos veículos de comunicação, o falsário foi entrevistado por Amaury Jr., pilotou e transportou em um helicóptero os atores Marcos Frota, Carolina Dieckmann e Ricardo Macchi.
Em entrevista à revista Trip, em 2011, o enganador explica, com muita propriedade, a diferença entre mentira e golpe. Diz ter total conhecimento do que é certo e errado ou o que é um comportamento socialmente correto. Conta também que se preocupava em não lesar pessoas menos favorecidas, além de estudar, meticulosamente, todas as ações praticadas. Relata, com desdém, que a ambição e a cobiça das vítimas sempre foi sua matéria-prima principal e que, com seus golpes, pode ter ajudado as vítimas a aprenderem alguma coisa. Veja alguns pontos que destacamos da entrevista:
“Existe uma linha tênue que separa a mentira do golpe. […] O golpe de fato é aquele que você planeja, executa e que busca obter algum lucro. […] Nunca tirei de quem não tinha. […] Espero que isso tenha servido de aprendizado para elas. Porque eu estou aqui (na prisão) pagando pela aula que dei. […] Eu sempre fui perfeccionista nas minhas empreitadas criminosas, nunca admiti erro. […] O que eu tenho de anormal em relação a algumas pessoas é o poder de persuasão. […] Acho que foi o dom maior que Deus me deu. […] Espero ter ensinado a algumas pessoas que a ganância não leva a lugar nenhum. […] Se uma pessoa não for ambiciosa, ela nunca vai cair em um golpe (mentira). Ninguém oferece duas moedas para que você devolva só uma. Se acontecer, desconfie. É estelionato. […] Existe um segredo para identificar o ponto fraco da pessoa, mas não posso falar. Seria como ensinar o pulo do gato.”

A arte imita a vida

Não é só no filme VIP’s que a arte valeu-se da história, ou baseou-se em fatos para criar enredos, em diversos gêneros, e explorar o tema “mentira” ou “mentir” de forma ampla e generosa. Para os interessados em conhecer um pouco mais sobre como age um mentiroso inveterado, as indicações a seguir podem ser úteis e até divertidas.

Barriga de mentira
A professora Maria Verônica Aparecida César Santos ficou conhecida como a “grávida de Taubaté”. Em 2012, ela enganou o marido, a família, a mídia e toda a opinião pública ao afirmar que estava grávida de quadrigêmeos. Acredita-se que ela, que usava barriga de silicone com enchimento, fez isso para chamar a atenção de familiares. Com o destaque da mídia, a professora recebeu muitas doações de fraldas e roupas para o enxoval. O caso chamou a atenção de um médico que havia atendido Verônica no segundo semestre de 2011 e afirmou que, naquela ocasião, ela não estava grávida. Ela sustentou a mentira até o dia 20 de janeiro, mês em que nasceriam as quadrigêmeas. Ao passar mal e precisar de atendimento médico, teve de revelar a farsa ao marido. Foi acusada de falsidade ideológica e, após acordo, livrou-se de processos na Justiça.

Filmes
“Prenda-me Se For Capaz”, com Leonardo DiCaprio, mostra a história de Frank William Abagnale Jr., golpista da década de 1960, que se passou por piloto de avião, médico, advogado e professor, com extensa ficha criminal que inclui os delitos de estelionato e falsidade ideológica.

“O mentiroso”, com Jim Carrey, mostra a história de um mentiroso patológico, que perdeu a mulher por conta das mentiras. O filho do casal, no dia de seu aniversário, pede que o pai não minta durante 24 horas. A partir disso, as gargalhadas estão garantidas.

Série
“Minta para mim” (Lie to me)
Cal Lightman é um mestre no estudo das expressões faciais, gestos e o que eles representam. Ao lado da dra. Gillian Foster, psicóloga, Eli Locker, pesquisador e de Ria Torres, expert na interpretação das expressões humanas, ajudam o FBI e o governo a interrogarem criminosos, com o intuito de descobrir tudo o que o investigado tenta esconder.

Livros
O corpo fala – a linguagem silenciosa da comunicação não verbal
Autores: Pierre Weil e Roland Tompakow
– Editora Vozes
Os escritores detalham como o comportamento não verbal, gestos e posturas que denunciam aquilo que não é dito.

Verdade ou mentira? Como saber o que os outros pensam, mas não dizem
Autores: Joe Navarro e Marvin Karlis, Ph. D.
– Editora Texto
O guia de um investigador criminal para dominar a linguagem corporal.

Quem é o mentiroso da sua vida?
Autor: Robert Feldman
– Editora Campus
O livro busca explicar por que as pessoas mentem e como isso pode refletir no dia a dia de todos.

 

Instituto i9c Treinamento
Rua Almirante Brasil 685 cj. 1510 Mooca
Tel.: 3476-7705
www.institutoi9c.com.vc

Instituto Flowir
Rua Otavio Forghieri, 204, cj. 81
www.institutoflowir.com.br

Psicologia Leticia de Oliveira
Tel.: (12) 30187434
www.leticiadeoliveira.com.br

Socorro Leite – psicoterapeuta
Av. Brigadeiro Luís Antônio, 317, sala 24, Bela Vista – São Paulo
Tel.: 3101-8449
www.socorroleite.com.br

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