Poucos assuntos mobilizam tanto a opinião pública quanto os que afetam as relações entre capital e trabalho. A começar pela dúvida: 1º. de Maio é Dia Interacional do Trabalho ou do Trabalhador? Dependendo de quem mencione a data, o fará de um jeito ou do outro. Não é de estranhar, portanto, que um dos assuntos mais polêmicos do período recente tenha sido a aprovação, pelo Congresso Nacional, em 2017, da Reforma Trabalhista.

Esta edição reúne informações importantes sobre as mudanças implantadas, ainda que a Medida Provisória que está para ser arquivada na Câmara dos Deputados venha a ser reeditada no próximo ano, para regulamentar alguns pontos que ficaram obscuros. A equipe ouviu também opiniões favoráveis e contrárias, para dar ao leitor um panorama o mais equilibrado possível sobre o tema, que, afinal, mexe com a vida de praticamente todas as famílias.

Principais tópicos da nova legislação trabalhista

Acordos coletivos – Prevalência sobre o legislado. Acordos e convenções agora têm força de lei e sobrepõem-se a normas legais, exceto se extinguirem direitos básicos. Dois artigos foram acrescentados à CLT: o 611-A (relaciona direitos que podem sobrepor-se à lei) e o 611-B (relaciona os direitos que não podem ser reduzidos ou suprimidos).

Acordo individual. Empregado com diploma de nível superior e salário maior do que dois benefícios máximos do INSS (atualmente R$ 11.062,62) podem negociar individualmente com seu empregador as condições contratuais de trabalho, inclusive escolher a arbitragem para resolver conflitos trabalhistas.

 

Banco de horas. A negociação pode ser diretamente entre empresa e empregado, mediante acordo escrito. A compensação das horas acumuladas não pode ultrapassar 6 meses. A negociação através do sindicato ainda é permitida, mas não obrigatória.

Comissão de empregados na empresa. Funcionários de empresas com 200 ou mais funcionários têm o direito de constituir uma comissão que os represente em negociações diretas com o empregador. Os representantes eleitos terão estabilidade até um ano após o fim do mandato, com as exceções previstas na lei.

Contratação de autônomos e pessoa jurídica. Nova regra diz que autônomo não é empregado, isto é, o trabalhador autônomo não pode requerer nenhum direito na Justiça do Trabalho, mesmo se estiver em uma situação de igualdade em relação a empregado contratado (CLT) na mesma empresa. O trabalhador efetivo não pode ser demitido para ser contratado como autônomo antes do prazo de 6 meses.

Contrato de trabalho intermitente. Intermitente é a prestação de serviços que alterna períodos de trabalho com períodos de inatividade e permite a contratação sem horário fixo. Agora, essa modalidade é prevista e permitida legalmente. O trabalhador poderá ser pago por período trabalhado, com valor mínimo de hora trabalhada proporcional ao salário mínimo. Os direitos trabalhistas e previdenciários são os mesmos válidos aos outros tipos de contrato, mas proporcionais aos períodos trabalhados.

Contrato de trabalho por tempo parcial. É permitida a contratação até por 30 horas semanais, mas sem horas extras. É possível também a contratação por até 26 horas semanais, com até 6 horas extras semanais. As férias serão iguais ao trabalho em tempo integral.

 

Contribuição Sindical. Não é mais obrigatória. Ou seja: nenhum trabalhador será obrigado a contribuir para um sindicato, exceto se autorizar o desconto por escrito. A contribuição sindical patronal (da empresa) também será opcional.

Demissão em massa. Não há necessidade de autorização prévia de entidade sindical para demissão de vários empregados ao mesmo tempo.

Demissão por acordo mútuo (“Acordo amigável”). Nova modalidade de rescisão do contrato de trabalho para quando o empregado deseja sair da empresa e o empregador concorda em desligá-lo. O funcionário terá direito a 50% do aviso prévio; 20% de multa sobre o saldo do FGTS e ao saque de 60% do FGTS, além de todas as verbas trabalhistas devidas, mas não terá direito ao seguro-desemprego.

Férias. Os 30 dias podem ser divididos em até três períodos, sendo ao menos um maior que 14 dias e nenhum pode ser menor que 5 dias, mas deve haver a concordância expressa do funcionário. Fica proibido iniciar férias até dois dias antes de feriado ou de repouso semanal remunerado.

Gestante – Insalubridade. A trabalhadora gestante deverá ser afastada automaticamente, durante a gestação, apenas das atividades insalubres consideradas de grau máximo. Para atividades insalubres de grau médio ou mínimo, a trabalhadora gestante só será afastada por ordem médica.
Homologação da rescisão pelo Sindicato. Não importa o tempo do contrato, a homologação da rescisão pelo sindicato ou pela Delegacia Regional do Trabalho (DRT) não é mais obrigatória.

 

Horas extras. Não é considerada hora extra quando o empregado permanecer na empresa por escolha própria para (i) práticas religiosas; (ii) descanso; (iii) lazer; (iv) higiene pessoal; (v) alimentação; (vi) atividades de relacionamento social ou conversas entre colegas; (vii) higiene pessoal; (viii) troca de roupa ou uniforme, quando não houver obrigatoriedade de realizar a troca na empresa. Não é mais obrigatório haver intervalo de 15 minutos para descanso antes da hora extra.

Jornada de trabalho. A jornada integral poderá ser de até 12 horas diárias e de, no máximo, 44 horas semanais e 220 horas mensais. Agora há também duas opções para jornada parcial: contrato de até 30 horas semanais, sem horas extras, ou de até 26 horas semanais, com até 6 horas extras. Acordo entre empregador e empregados pode criar jornada de 12 horas com 36 horas de descanso.

Lactante (mãe que amamenta). Para as lactantes o afastamento em atividades insalubres de qualquer grau somente ocorrerá com a apresentação de atestado médico.

Plano de Demissão Voluntária (PDV). A adesão ao PDV dará quitação plena e irrevogável aos direitos decorrentes da rescisão contratual; isto é, o funcionário não poderá reclamar direitos que entenda violados durante a prestação de trabalho.

Reclamação trabalhista. Quem acionar a Justiça por má-fé (empregado ou empresa) poderá pagar à outra parte até 10% do valor da causa e a parte “perdedora” deverá pagar os honorários do advogado da parte “vencedora” no processo. Nos casos de “deferimento em parte” (quando uma parte “ganha” em um item, mas “perde” em outros), os honorários advocatícios serão divididos entre as partes, conforme cada assunto.

 

Redução do intervalo intrajornada (horário de refeição e descanso). Este intervalo pode negociado entre empresa e o sindicato, mas não pode ser inferior a 30 minutos. O empregado poderá negociar redução neste intervalo para compensar com saída mais cedo de seu expediente.

Remuneração. Não integram a remuneração do empregado, ainda que habituais: ajudas de custo, auxílio-alimentação, diárias de viagem, prêmios, bônus, gratificações e abonos.

Remuneração – Equiparação salarial. Devem receber a mesma remuneração funcionários que, na mesma empresa, exercerem funções iguais, com serviços de igual valor (com as mesmas produtividade e perfeição técnica).

Remuneração – Plano de Cargos e Salários. Não será mais necessária a homologação do Plano de Cargos e Salários junto ao Ministério do Trabalho.

Responsabilidade na sucessão de empregadores (quando a empresa for vendida). Na sucessão (artigos 10 e 448 da CLT) as obrigações trabalhistas, inclusive aquelas referentes à época da empresa sucedida, são de responsabilidade do sucessor.

 

Terceirização. É autorizada a terceirização de todas as atividades, inclusive da atividade principal da empresa contratante, assegurados aos terceirizados os mesmos direitos dos empregados da contratante. O empregador não poderá demitir o trabalhador efetivo para recontratá-lo como terceirizado em menos de 18 meses. Contratos anteriores à lei 13.467/17 não se submetem a essas regras.

Trabalho Remoto (Home Office). É o trabalho fora das dependências do empregador, agora regulamentado na lei trabalhista. O formato e as condições devem ser negociados e definidos contratualmente entre empregador e empregado, inclusive quanto a direitos e deveres por gastos, despesas e investimentos decorrentes. Trabalhadores em “home-office” não têm direito a horas extras.

Transporte. Qualquer que seja o meio de transporte, o tempo de deslocamento não será considerado parte da jornada de trabalho.

Medida Provisória que alteraria reforma deve cair

Tramita no Congresso Nacional a Medida Provisória (MP) 808/2017, do presidente Michel Temer, que faz diversas alterações à Reforma Trabalhista, em vigor desde 11 de novembro, para regulamentar tópicos omissos e corrigir distorções. A proposta, por exemplo, inclui proibir o trabalho em ambientes insalubres para gestantes ou lactantes.
A MP é necessária porque a Lei que trouxe uma ampla mudança na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) foi aprovada em meio a controvérsias no Legislativo, mesmo entre os parlamentares da base governista, por conta de algumas brechas que dão margem a diversas interpretações, como a da reforma valer somente para os contratos assinados a partir de sua aprovação ou para todos.

No entanto, é certo que a MP perde a validade por exceder o prazo de dois meses, prorrogáveis por igual período, após a sua publicação, que ocorreu no dia 14 de novembro. A data final para aprovação é dia 23/04; fatalmente, não haverá tempo hábil.
Como a Constituição veda, em seu Artigo 62, parágrafo 10, que seja reeditada na mesma sessão legislativa uma Medida Provisória que tenha perdido eficácia por decurso de prazo, a tarefa dessa regulamentação ficará para o próximo governo.

Opiniões conflitantes

 

ara o deputado Jorge Tadeu (DEM), que votou a favor da Reforma Trabalhista, as alterações aplicadas com a reforma serão mais bem avaliadas no decorrer do tempo. “A atualização na Consolidação das Leis do Trabalho busca em síntese a facilitação da negociação entre as partes incluídas no contrato de trabalho. A Reforma Trabalhista veio para trazer um gigantesco avanço processual, como a possibilidade da extinção do contrato de trabalho, que agora poderá ser acordada entre empregado e empregador, combatendo a crescente banalização da Justiça do Trabalho e garantindo assim uma rescisão justa tanto para quem contrata quanto para o contratado”, opina.

Em sua opinião, uma das grandes conquistas foi a forma criada para possibilitar o trabalho intermitente, podendo o empregado prestar serviços a outros contratantes nos períodos de inatividade. “Com isso, mais empregos serão gerados, principalmente derivados da terceirização, do trabalho intermitente e do trabalho autônomo. A reforma veio para aquecer a economia e aumentar diretamente o número de empregos nos país”, defende.

Já o ex-prefeito de Guarulhos Sebastião Almeida, agora no PDT, posiciona-se contra a Reforma Trabalhista.  “Essa reforma consolidou uma posição de força do empresariado sobre os trabalhadores. É nefasta e mexe em 117 artigos da CLT. Por exemplo, agora a empresa pode pagar férias em até três vezes. Outro ponto negativo é o contrato intermitente, que permite ao empregador contratar apenas quando necessário e remunerar o trabalhador somente por aquele período em que ele trabalhou”, pontua. Na opinião de Almeida, essa mudança desonera a empresa do pagamento de benefícios históricos.
“Essa reforma é agressiva. Permite que quando o quadro tiver mais de 200 funcionários, montar uma comissão e ignorar o sindicato. Desobriga a homologação no Ministério do Trabalho ou o Sindicato, em casos de demissão.  Isso enfraquece a representação sindical, da qual sempre fui fiel defensor”, alega.

Para ele, é falsa a alegação de modernização da CLT: “O governo Temer golpeia com mão pesada uma legislação conquistada a duras penas e fortalece ainda mais aquele que tem o poder de contratar e demitir, num cenário em que o desemprego bate a vergonhosa marca de 14 milhões de brasileiros”, conclui.

A Associação Comercial e Empresarial (ACE Guarulhos) posicionou-se favoravelmente à reforma, acreditando que as modificações são um passo além nas relações de trabalho, no sentido da evolução. “Pois desonera os empresários, especialmente os médios e pequenos, e flexibiliza a negociação diretamente com os trabalhadores. Deixa a relação menos burocrática. Com a nova lei, não significa que o empresário vai ganhar mais dinheiro às custas de seu funcionário, mas, sim, que vai permitir que todos possam ter melhor rendimento e mais poder de decisão com seu próprio dinheiro”, pontua o presidente da entidade, William Paneque.

 

Do outro lado, Antonio Silvan Oliveira, presidente do Sindiquímicos e da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Químico (CNTQ), disse que a modernização da CLT é uma forma de deixar as decisões nas mãos dos patrões. “É difícil o empregador dizer a um trabalhador se ele aceita ou não a sua proposta, pois ele lembra da sua família, saúde, educação, segurança e outros quesitos”, relata.

“Falar hoje em Reforma Trabalhista é dar aval à precarização da mão de obra que acabou se implantando no País e que já está gerando uma péssima condição de trabalho, o que acarretará em mais insegurança, acidentes e mutilações desses trabalhadores no ambiente de trabalho, assim como o empobrecimento da nossa nação. A Reforma Trabalhista traz o Trabalho Intermitente, permite que a mulher gestante trabalhe em ambiente insalubre e arrebenta a estrutura sindical”, disse.

Silvan defendeu a importância dos sindicatos e pediu para que os empregados não pensem que o ganho que tiveram com o fim da obrigatoriedade do imposto sindical é a solução de seus problemas. “Os trabalhadores são parte importante e essencial nesta discussão e precisam se interessar por este debate. Desqualificar o Movimento Sindical é jogar fora todas as conquistas previstas em Convenção Coletiva de Trabalho”, finaliza.