Por Val Oliveira

Segredo é algo que se diz a outra pessoa, em caráter de sigilo, e que não deve ser alardeado para terceiros. Como lidar com assuntos confidenciais e guardá-los a sete chaves? Como diferenciar informação de fofoca? Contar os planos para muitas pessoas atrapalha no alcance das metas? Ser um “baú” e ter “boca de siri” é melhor para a fluidez dos negócios, vida pessoal e afetiva? A seguir, profissionais da sociologia, antropologia e psicologia respondem estas e outras questões e também dão dicas para lidar com assuntos que pedem discrição.

Verdades secretas

Ana Claudia Fernandes Gomes, professora de sociologia e antropologia dos cursos de Serviço Social e Comunicação Social da Universidade Guarulhos diz que o segredo envolve questões morais e éticas. “O segredo abrange normas sociais e morais estabelecidas e determina o comportamento ético esperado de guardar ou divulgar a informação secreta. Moral corresponde às regras e ética corresponde ao comportamento ‘certo’ ou ‘errado’”, diz.
Lidice Meyer Pinto Ribeiro, antropóloga, historiadora e coordenadora de Educação Continuada do Centro de Educação, Filosofia e Teologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, diz que a partir do momento que uma pessoa sabe de um segredo, ela passa a ser a guardiã de tal informação e, como tal, deve procurar protegê-la. “Muitas vezes os segredos fazem parte da formação da identidade de cada um, já que sempre haverá situações e informações que nos são particulares e que, portanto, gostaríamos que se mantivessem assim. O desrespeito ao segredo de um indivíduo, forçando-o a revelá-lo, pode ter consequências funestas como a perda de referenciais e do equilíbrio social, podendo até mesmo causar desequilíbrios psicológicos”, alerta.
Para Ana Cláudia, conceitualmente não existe segredo maior ou menor e confiar um segredo a alguém depende muito da qualidade da relação que se tem entre as partes envolvidas, visto que, nesses casos, a confiança é elemento básico. Para ela, aquele dito popular de que “não sou baú para guardar segredo” revela muito da moral e ética de quem pensa dessa forma. “Nega o comprometimento com o pacto de silêncio”, enfatiza.

Moral x Ética

Guardar segredo é uma questão moral ou ética? Qual a diferença entre uma e outra? Para Lidice, a ética é algo mais abrangente e pode ser considerada universal.
“No Brasil, seguimos a ética cristã devido ao nosso passado colonial. Os mandamentos bíblicos são aceitos como corretos por grande parte dos brasileiros, independente da religião que siga, e até mesmo por quem não segue religião alguma. Por exemplo, todos sabem e consideram errado matar, roubar e mentir, entre outras coisas. Mas, a moral é social e cultural. Dessa forma, a moral de cada um é o que definirá até onde não se pode mentir, roubar ou matar. […] Guardar o segredo de outrem é uma questão que atinge diretamente a ética cristã, na qual nossa sociedade se baseia”, expõe.
Para a antropóloga, a quantificação da importância de um segredo está muitas vezes na pessoa que o guarda. “Basicamente, todo segredo é importante, daí ser resguardado do público em geral. Da mesma forma, não há muito como mensurar o quanto de dor física e psicológica alguém aguentaria para proteger um segredo. Há poucos anos no Brasil, muitos enfrentaram torturas físicas e psicológicas para que entregassem companheiros políticos ou locais de reunião. Alguns mantiveram o segredo até a morte. Outros não suportaram e acabaram por revelar o segredo a eles confiado. Quem foi o mais certo? Aquele que morreu para salvar a muitos ou o que se salvou condenando a muitos? Não há como dizer. Quando a sobrevivência está em jogo, não há como fazer julgamentos morais ou éticos”, pondera.

Ombro amigo – falar ou calar?

 

Lidice afirma que a confiança de um segredo a alguém é uma forma de dividir a carga que este segredo traz ao indivíduo. “É também uma manifestação de confiança suprema em outrem. Porém, não confundir com mexerico, que é o oposto, pois o mexeriqueiro deseja, na verdade, que o outro também não guarde este segredo”, declara.
Desabafar problemas, colocar para fora aquilo que sufoca é uma necessidade humana. Embora haja quem prefira “lamber as próprias feridas”, sem se expor. Esse ato pode ser determinante para o bem-estar social. “O ser humano necessita de convivência social e um dos itens desta necessidade é a possibilidade de criarem-se laços de amizade sincera e profunda. Só através do conhecimento profundo de alguém é que se pode saber se este será capaz de não sacrificar sua amizade em troca de revelar seu segredo. Em muitos casos, na ausência de um amigo e confiável, procura-se um profissional habilitado que manterá as informações pelo sigilo profissional”, diz.

Confiança

Ser escolhido para ser “fiel depositário” de um segredo significa que a pessoa tem confiança em você. Contudo, é preciso ficar atento para perceber se não há segundas intenções por trás desse segredo confiado. “A confiança é imprescindível para que um segredo permaneça oculto. Se alguém que lhe confia um segredo é uma pessoa que possui laços estreitos de amizade contigo, na qual ambos conhecem profundamente um ao outro e dificilmente seria um caso de manipulação. A manipulação ocorre principalmente quando um segredo é compartilhado como forma de manter uma amizade ou tentativa de estreitar laços onde estes não existam”, avalia Lidice.
Para a antropóloga e historiadora, não guardar sigilo é característica de quem não tem disposição para laços duradouros de amizade ou relacionamentos profundos. Já a socióloga Ana Cláudia diz que quando alguém divide com outras pessoas os segredos a ela confiados e pedem sigilo, é uma forma de minimizar, dividir e deixar mais leve o compromisso assumido. Porém, “o acordo é mais consistente quando há menos pessoas envolvidas”, pensa Ana.

Segredo e informação privilegiada

O uso de informações privilegiadas para benefício próprio pode configurar-se crime, bem como fazer com que o “delator” do segredo perca a confiança no seu círculo de amizade. “Por exemplo, em uma negociação de fusão de empresas, muitos são os envolvidos diretamente no assunto e possuem esta informação em primeira mão, antes do acesso dos funcionários das duas empresas e do público em geral. Estes detêm um segredo que não deve ser revelado até que a negociação se concretize. Caso algum destes envolvidos diretamente na negociação venha a fazer uso indevido da informação, por exemplo, usando-a para agir no mercado de ações por conta própria, este seria um uso ilegal da informação privilegiada. O mesmo poderia ser dito de um psicólogo que soubesse de algum segredo de seu paciente famoso e o divulgasse à imprensa em troca de compensação financeira”, informa a antropóloga.

O sigilo profissional e a Lei

Para quem sente “comichão” por colocar para fora tudo o que sabe, entenda que existem ocasiões em que um segredo revelado indevidamente pode gerar problemas jurídicos para quem falou demais. No caso do sigilo profissional, previsto nos códigos de ética de cada profissão, há no Código Penal Brasileiro artigos específicos para casos de violação das normas e dos segredos profissionais, bem como de proteção para quem precisa guardar informações obtidas no exercício da profissão. “O sigilo profissional está resguardado no artigo 5º, incisos XIII e XIV da Constituição Federal. […] O artigo 154 do Código Penal Brasileiro é claro ao prever o crime de violação do segredo profissional. […] Apesar disso, o sigilo profissional vai até onde não haja nenhuma transgressão da lei nele contido. Assim, o profissional que detém o conhecimento de uma ação criminosa deve revelar esta informação ou pode ser considerado cúmplice”, informa Lidice.

Guardado a sete chaves

Será superstição ou realidade a crença popular de que se muitas pessoas souberem de seus planos, algo dará errado e o alcance das metas ficará mais trabalhoso e distante? Segundo a antropóloga, a explicação para tais crendices também é bíblica e tem a ver com a inveja, sentimento que é definido como desgosto pelo bem alheio. “A inveja é um dos males mais antigos que aflige a humanidade. Na Bíblia este problema é ilustrado na questão entre os irmãos Caim e Abel. Daí termos tantas superstições para evitar a inveja alheia e os malefícios causados por ela, como as práticas populares contra o mau-olhado, quebranto, olho-gordo, olhos de secar pimenteira, entre outros. Daí ter-se também criado e se mantido entre muitos brasileiros o costume de não se divulgar muito os planos para que a inveja de alguém não os ‘sabote’”, detalha Lidice.

Ser ou não ser?

 

Desabafar é bom ou ruim? Como saber para quem contar os segredos, sofrimentos e sentimentos mais profundos, sem expor a vida para um grande número de pessoas? Veja as dicas da psicóloga e tenha subsídios para resguardar-se. “Como saber o que contar e se isso irá aproximar ou afastar as pessoas? A maneira mais indicada de saber se deve revelar um segredo ou não é pensar nos motivos que te fazem contar, se é algo sobre sua própria vida ou de outra pessoa e, principalmente, quais serão as consequências. Pergunte-se o que está desejando com isso. Quer saber se as pessoas se importam com você, deseja ser ouvido, ou o fato de contar algo importante da vida de alguém poderá fazer com que percebam que você confia na pessoa e assim ela passará a confiar em você? Será? Quando se trata de falar sobre sua vida você deve ponderar os prós e contras e decidir quem deve merecer ou não sua confiança, mas se tem o hábito de revelar fatos da vida de outras pessoas, repense se isso é correto e com qual objetivo você faz isso. Lembre-se que amanhã você poderá ser o alvo da conversa. Se não tem o que falar, o melhor sempre é manter o silêncio, falar sobre o tempo, a última notícia, nunca sobre confidências de outra pessoa. Se irá contar apenas por contar ou, pior ainda, se corre o risco de provocar danos à sua imagem ou se pode machucar alguém, o melhor é guardar apenas para você”, aconselha Mônica.

Informação é poder

Para a psicopedagoga, contar um segredo que não podia ser revelado é uma forma de se sentir poderoso por ter uma informação valiosa, ao passo que ser escolhido para ser depositário de um segredo demonstra um vínculo de confiança que não deve ser quebrado. “No dia a dia, poucas pessoas conseguem perceber a importância que tem um segredo. Respeitar a vontade de manter algo sob sigilo é uma questão de valor cultural e, quando isso não acontece, creio que a maior consequência é o descrédito. A partir do dali, ninguém mais confiará nessa pessoa, o que é horrível, pois revela que ela tem valores duvidosos e, possivelmente, normas de conduta que não estão dentro dos padrões. Muitos se afastarão”, destaca.

O segredo e a psicologia

A psicóloga e psicopedagoga Mônica de Farias Martins defende que todas as pessoas têm seus segredos, que podem ser pensamentos, sentimentos ou ideias que não querem compartilhar. “Geralmente guardamos informações que foram divididas conosco ou, ainda, assuntos que nos fazem sofrer e sobre os quais temos dificuldade, vergonha ou temor de dividir com alguém. Por isso é importante respeitar o desejo de alguém que não quer revelar um segredo”, explica.

Para a psicóloga, ética tem a ver com caráter e com o modo como são estabelecidas as relações. E que o caráter é a maneira de agir e reagir de um indivíduo, ao passo que a moral é algo adquirido e orienta o comportamento humano dentro da sociedade. Dessa forma, Mônica entende que ser “boca aberta” abrange questões morais e éticas.
“Se você não cumpre o combinado, não age como o esperado, será julgado e isso será visto de uma maneira não agradável pelos amigos e pela sociedade. Acho que a mensuração do tamanho de um segredo depende da quantidade de pessoas que possam ser atingidas e quais danos tal revelação pode causar”, pensa.

O segredo é a alma do negócio

De acordo com a psicóloga, quando a pessoa realmente não consegue ficar calada, revela que não leva sua amizade ou trabalho com seriedade e respeito. Tal comportamento pode causar prejuízo e desconforto. “A diferença entre informação e fofoca é que, em geral, a informação é dada, com o objetivo de ajudar, de esclarecer algo. A fofoca quase sempre busca prejudicar alguém. Quando a pessoa não consegue se policiar, pode ser necessário buscar ajuda para aprender a controlar os impulsos”, indica.

 

Mônica diz que anunciar planos antes mesmo de terem saído do papel pode realmente não ser algo bom. “Um dito popular muito antigo diz que “o segredo é a alma do negócio” e isso faz muito sentido. Você não deve deixar todas as coisas às claras o tempo todo, pois nem todos são teus amigos. Em alguns casos, se ficam sabendo de algo, podem tentar obter aquilo antes, podem colocar obstáculos para o negócio, vão torcer contra, criticar e fofocar, o que, de certa forma, pode emanar energia negativa. […] Entretanto, quero crer que ainda existam pessoas, mesmo que raras, que são capazes de agir com respeito e consigam exercer a empatia, colocando-se no lugar do outro”, conclui.

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Segredos polêmicos