
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo determinou a devolução dos R$ 10.784.171,60 gastos pela Prefeitura de Guarulhos para compra de livros das editoras Liberty e Terra do Saber em dezembro passado. O processo de aquisição das obras se deu sem licitação durante a curta gestão de Marli Aparecida Nabas como secretária da Educação. A decisão foi proferida pela juíza Larissa Boni Valieris, da 1ª Vara da Fazenda Pública de Guarulhos, na segunda-feira, 25. Com a posse do advogado João Carlos Pannocchia como secretário da Educação, Nabas passou a ser subsecretária de Educação. Da decisão de primeira instância cabe recurso.
Na ação civil ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF), consta o pedido de ressarcimento integral e solidário da quantia, bem como as sansões estabelecidas na Lei de Improbidade Administrativa. A juíza considerou o inquérito instruído com ampla prova documental e decidiu favoravelmente pela denúncia apresenta pelo MPF, determinando a indisponibilidade dos bens dos envolvidos, em valor equivalente ao gasto com os livros.
A juíza determinou que sejam requisitados à Receita Federal as declarações de bens e rendimentos dos últimos cinco anos das partes e que seja oficiado à Corregedoria Geral de Justiça, comunicando a indisponibilidade dos bens imóveis dos acionados, para que sejam participados todos os órgãos de Registro Imobiliário do Estado de São Paulo. Determinou também que os veículos licenciados em nome dos demandados, sejam bloqueados via Renajud, bem como comunicada ao Banco Central do Brasil a indisponibilidade de todas as aplicações financeiras em nome dos acionados.
O caso foi alvo de extensa reportagem do Click Guarulhos em fevereiro de 2018. Este portal mostrou inúmeras falhas e irregularidades no processo de compra que foi feita por inexigibilidade, quando há dispensa de licitação por não haver a possibilidade de concorrência.
O principal argumento que a administração pública usou para sustentar a aquisição dos exemplares foi “em razão de as empresas possuírem exclusividade na distribuição e comercialização das respectivas obras, conforme Declaração de Exclusividade expedida pela Câmara Brasileira do Livro”. A justificativa foi mantida pela Secretaria de Educação até mesmo após a consideração de improbidade administrativa feita pelo MPF depois de concluído o inquérito civil.
A decisão é resultado do pedido de investigação das vereadoras Genilda Bernardes e Janete Rocha Pietá, ambas do PT, protocolizado no MPF em março. Como base para o pedido, as edis usaram a reportagem publicada pelo Click Guarulhos.
A consideração do MPF
O MP apontou que “as provas colhidas no inquérito civil indicam que não foi feito um estudo prévio para detectar que somente os exemplares adquiridos das duas empresas rés eram aptos a atender ao fim colimado pela Administração Municipal no que se refere ao projeto pedagógico escolhido, abrindo caminho para a contratação direta por inexigibilidade de licitação”.
O MP ainda ressaltou que o próprio Departamento de Controle Interno da Prefeitura de Guarulhos apontou “que não havia justificativa técnica de contratação dos títulos específicos indicados e o esclarecimento do motivo de a Municipalidade não poder adquirir outros título (sic)”. Apesar da Secretaria de Educação apresentar justificativas após a ressalva do DPI, os argumentos, na visão do MP, não comprovaram que outros títulos fornecidos por outras editoras não poderiam atender o fim buscado.
Os valores pagos pelos kits também foram motivos de questionamento do MP, principalmente por não ter sido apresentada pesquisa de preço de materiais semelhantes que pudessem atender de igual forma a municipalidade. “Ausente a demonstração de realização de pesquisas de preços suficientes, as justificativas apresentadas não são bastantes para confirmar que a contratação realizada realmente importou em benefício à Administração”, citou o promotor de Justiça Cláudio Sérgio Alves Teixeira em seu relatório.
A quebra de ordem cronológica de pagamentos – apenas um mês após a aquisição, o pagamento já foi justificado no Diário Oficial – que se dá quando a falta de materiais ou serviços pode afetar diretamente a ordem pública não foi considerada plausível para o MP. “Tal compra não se amolda numa situação extraordinária, nem o pagamento feito na forma e prazos regulares implicaria em paralisação de serviços essenciais e nem se tratavam de despesas inadiáveis e imprescindíveis”, considerou o promotor.
Entenda o caso
No dia 28 de dezembro de 2017, a Secretaria de Educação adquiriu livros paradidáticos das editoras Liberty e Terra do Saber, pelos valores de R$ 4.520.171,60 e R$ 6.264.000, respectivamente, totalizando R$ 10.784.171,60. Ambas as empresas pertencem aos mesmos sócios.
A Editora Liberty forneceu 16 títulos diferentes (O Segredo de Pedro; Talento Nato; Koda Cachorrinhos e Calma, Lucas! são algumas das obras), com cerca de 11 mil unidades cada. Esses livros custaram R$ 25,90 cada um. No total, foram 174.524 livros para serem distribuídos para os alunos da Rede Municipal de Ensino.
A Terra do Saber forneceu seis coleções. Foram comprados 1.450 kits educacionais de cada, que custaram aos cofres públicos R$ 720 por unidade. Um dos kits, por exemplo, contém os seguintes materiais: Coleção Cuidando da Saúde com a turma do Cocoricó, composta por três livros educativos (Cuidado Sarou!, Cai fora, Aedes!, Oswaldo Cruz), um livro de atividades, um manual do professor, cinco jogos de tabuleiros, um CD-ROM quiz e seis murais educativos da turma do Cocoricó.
Segundo a resposta enviada pela Assessoria de Imprensa da administração pública de Guarulhos, na época do questionamento, os preços ofertados pelas editoras representaram vantagem para o município.
O portal está enviando mensagem à Assessoria de Imprensa, para que a Prefeitura se manifeste quanto à decisão e ao possível recurso a instância superior.