Por Amauri Eugênio Jr.
André Okuma, 33, faz do cinema e da arte, em sua forma plena, as suas motivações para ver o mundo além do óbvio.
Mais do que vivê-las e respirá-las ao máximo, o cineasta mostra em cada fala, gesto, enquadramento e cena filmada que ele não está a passeio. Dá para dizer, sem rodeios, que ele é um dos caras que trouxeram um novo olhar e mentalidade para a cultura da cidade. E, como ele mesmo se define, André é um “marginal”, mas no cinema.
“Mau, tem um muro na rua de baixo. Acho que vai ficar legal.” Foi assim que Okuma sugeriu para mim e Rafael, o fotógrafo, que as fotos do ensaio para esta matéria fossem feitas em um muro próximo a redação. “Bem lembrado, André. Vai ficar um ‘lance’ bem urbano”, respondi, pensando que dialogaria bem com a essência da entrevista, feita na véspera, e com o estilo dele. Deu supercerto. Afinal, o cara é cineasta. Ah, antes que você pergunte por que ele me chamou de Mau: somos grandes amigos.
Primeiros takes
Nascido em Santo André, no ABC, Okuma cresceu no meio da crise econômica e existencial pela qual a cidade passava, por causa da saída à época das empresas metalúrgicas situadas lá. “Terminei o ensino médio sem perspectiva. Trabalhava como office boy, mas não sabia o que queria [da vida]. Fazia também curso de inglês para pensar no que fazer no futuro”, comenta, ao falar sobre algo que seria decisivo. “Perto do meu ‘trampo’ tinha a Escola Livre de Teatro, onde fiz cenografia e figurino. Lá, entrei em contato com a arte, vi que não sabia nada da arte e das questões da vida, e percebi o vazio da adolescência.” Na sequência, já em 2001, ele entrou na ELCV (Escola Livre de Cinema e Vídeo), no fluxo da vida. “Nunca imaginei que seria cineasta. Isso nem fazia parte de uma possibilidade remota do que eu gostaria de ser quando crescesse”, conta.
Ponto de virada
“O cinema está em outro lugar, na arte, e é um processo de autoconhecimento, percepção da sociedade e como você lida com isso a partir da linguagem cinematográfica. Não aprendi a fazer só filmes, mas aprendi por que fazê-los”, explica. Isso o instigou a fazer um filme sobre a crise de Santo André, cujo resultado foi o curta-metragem “O acaso entre a distância e algum lugar” (2009). Vale dizer que esse foi o primeiro curta dirigido por ele, que até então ficava como diretor de arte: “eu tinha o conhecimento teórico, mas tinha medo de dirigir. Mesmo assim, foi uma transição natural.”
Transição. Além da mudança de papel no set de filmagens, foi durante a produção de “O acaso…” que aconteceu outra mudança significativa: começar a trabalhar em Guarulhos, na Secretaria de Educação. No ano seguinte, ele foi para a pasta da Cultura, após passar em um concurso público, mas a relação com Santo André foi mantida e existe até hoje.
Música e vídeo
Além de trabalhar na cidade e com audiovisual, André ainda arranjava tempo para tocar bateria na banda independente Krias de Kafka, de Santo André, na qual esteve até 2010. “Saí porque não conseguia conciliar. Mas foi algo muito tranquilo”. Tanto que, algum tempo depois, o cineasta dirigiu os clipes de “Tuntá” e “Leila”, músicas do Krias. “Quando eles lançaram o primeiro disco, vieram falar comigo: ‘A gente quer que o primeiro clipe deste disco seja seu. ‘Leila’ é um dos trabalhos que mais gostei de ter feito na vida”, contextualiza, ao falar que foi uma homenagem ao cinema marginal. “O conceito do disco e o pensamento do Krias se relacionam com a questão do cinema marginal, que é ‘vai lá e faz’, mesmo sem estrutura. Quando eles me pediram para fazer o clipe, a primeira coisa que pensei foi nisso.”
Já em Guarulhos, ele dirigiu o videoclipe-curta-metragem da música “Se a cidade parar”, do Carbônica, que é da cena independente da cidade. A produção, feita com o Coletivo 308, foi um “exercício mais ousado”. “A produção foi mais ágil, mas nesse caso havia figuração em protesto, explosão e trânsito, o que é mais complexo. Se teve algo que descobri, é que sou marginal [risos], se for pensar no cinema, né? E, principalmente, se for pensar na política.”
Engajamento cultural
“Com o tempo, fui sentindo que as pessoas começaram a se formar e a construir outros pensamentos fora daqui. Elas voltavam para a cidade e começavam a produzir [arte] na cidade”, relata André, sobre as impressões que ele tinha sobre a classe artística de Guarulhos entre 2009 e 2010, quando estava na Secretaria da Cultura. “Começou a haver pensamento mais interessante sobre a arte, ao mesmo tempo em que a cidade deu uma parada total. Os artistas começaram a unir forças para pensar sobre como fazer arte dentro de uma estrutura altamente burocratizada”.
De lá para cá surgiram eventos com novos formatos artísticos, como o Cineclube Adamastor, no qual Okuma esteve à frente e deu cursos de cinema entre 2010 e 2011. A turma que participou do curso produziu os curtas-metragens “Amor noturno”, em 2011, e “Voo da borboleta” (2012), que levou o prêmio de Melhor Processo Criativo das Técnicas de Produção Audiovisual na Mostra Oficinema, de Amparo (SP). “Foi um processo colaborativo. Fiz a direção, mas na prática, eu conciliei ideias dos membros do grupo.”
Ele também foi um dos organizadores das duas edições da Ocup-Ação, em 2012, quando os artistas da cidade ocuparam o complexo do Teatro Nelson Rodrigues por 24 horas. “Foi uma experiência muito louca, quase experimental. Depois disso, sinto que as pessoas queriam fazer eventos por elas mesmas, e que, de lá para cá, elas foram se sentindo confiantes [em produzir]”. Em paralelo, outros movimentos tomavam forma, como a BIG (Bienal Internacional de Guarulhos do Pequeno Formato), do Coletivo 308, que aconteceu em 2012 e no fim de 2014, e a Casa Clam, coletivo que organiza projetos voltados à música. “[Projetos como esses] deram um ‘gás’ relevante para o pensamento independente na cidade.”
Já deu para “sacar” que a arte para André vai muito além do entretenimento, não é mesmo? Dá para dizer que, para ele, a arte é uma maneira de ver a vida. “É a única ferramenta que consegue dar conta da complexidade da vida, não no sentido de dar respostas, mas para fazer perguntas. É um processo de transformação.” Para finalizar, só resta citar uma frase dita com frequência por André, que é ao mesmo tempo direta e reta, e conclusiva: “É isso.”