Por Val Oliveira
Quando paramos para pensar, percebemos o quanto a vida é cheia de nuances. Contudo, existe uma fase de nossa existência em que as mudanças, físicas e psicológicas, parecem ser mais acentuadas, as experiências mais marcantes e as relações mais intensas. Em 2016, vivendo em um mundo no qual o efêmero e a superficialidade são comuns, como será o relacionamento social dos jovens nascidos após 1995?
Para a psicóloga e psicopedagoga Mônica de Farias Martins, a adolescência é um momento de muitas interrogações, dúvidas e inseguranças. Desses períodos de questionamentos, nos quais o adolescente não é mais criança, mas ainda não é totalmente maduro, podem surgir conflitos e os relacionamentos serem abalados, principalmente se o diálogo com o interlocutor não for claro e direto e, principalmente, se o “papo” não for orientador e amável. “Eles buscam se autoafirmar e fazer parte de um grupo. Se o grupo a que pertencem é estruturado, a adolescência passa de maneira mais tranquila. Caso contrário, os problemas acontecerão”, relata.
A psicóloga destaca que, muitas vezes, os “ruídos” na comunicação atrapalham a boa convivência e que o distanciamento impede a construção de laços mais fortes. “Não podemos generalizar, mas percebo no consultório que muitas relações vão perdendo a proximidade aos poucos. No caso dos pais, por exemplo, as responsabilidades com o trabalho os consomem tanto que os filhos deixam de ser prioridade. Isso os distancia e eles nem percebem o tamanho do prejuízo causado e, quando notam, tentam suprir essa falta com coisas materiais. Isso passa uma mensagem confusa para o filho”, diz.
As maneiras de se relacionar e demonstrar afeto mudaram e, para a profissional, toda mudança é necessária e faz parte da evolução natural da vida. Porém, acredita que é preciso refletir sobre quais valores devem ser deixados para essa nova geração e que impor limites é fundamental para formar cidadãos de bem. “Os pais devem ser parceiros, dar liberdade, mas estar vigilantes. Muito diálogo, paciência, respeito, saber cobrar responsabilidades e principalmente dar amor”, recomenda.
Para Mônica, o jovem hoje é muito mais livre para expressar seus pensamentos e sentimentos do que antes. Isso pode facilitar as relações e colaborar para que os adolescentes tenham uma nova percepção de mundo e, desse modo, tornem-se maleáveis em relação a muitos temas que ainda são espinhosos para a sociedade em geral. “A facilidade de adquirir informações e as oportunidades fazem com que deixem de lado o preconceito de forma muito mais natural. Questões políticas, sociais, morais e sexuais hoje são discutidas muito mais abertamente do que ontem”, opina.
A psicopedagoga entende que o comportamento do jovem atual nas relações sociais reflete o que busca a “geração do prazer”, pois a procura por satisfação está dentro de todo ser humano, o que é natural e saudável. Porém, é preciso refletir e entender: “Precisamos amadurecer para saber o que realmente queremos. Os jovens querem tudo muito rápido, mas não sabem bem o quê. Parecem decididos, fortes e exigentes; na verdade, é a maneira que encontram para se defenderem. Por outro lado, proteger demais, desprotege. Se eles não tiverem a possibilidade do erro, como aprenderão? A sociedade também cobra amadurecimento rápido. E para se mostrarem maduros, os jovens exigem e testam todos os limites”, declara.
O jovem Mateus Louro Costa, 18, estuda para ser bacharel em música e trabalha como vendedor para custear-se. Ele conta que gosta de fazer amigos e de tê-los por perto, assim como seus familiares. Sobre o relacionamento com os pais, ele diz que os considera como seus melhores amigos, que confia neles cegamente e que todas as divergências são resolvidas na base do diálogo. “Nosso relacionamento é muito bom. Sempre resolvemos nossas diferenças conversando, e por isso sempre nos entendemos e chegamos a um acordo. Gosto da maneira como me tratam e entendo que fazem tudo o que podem por mim. Por isso, não consigo imaginar minha vida sem eles”, declara.
Avesso a redes sociais para o cultivo de amizades, Mateus acredita que qualquer tipo de relacionamento é mais real no “face to face”. Ele crê ser bom filho e que seus pais devem estar satisfeitos com o filho que criaram. Perguntado sobre como será o relacionamento com filhos que vier a ter, Mateus respondeu: “Farei de tudo para que o relacionamento com meus filhos seja o mais parecido possível com o que tenho com meus pais. Sempre temos conversas, nunca brigas, apesar de pontos de vista diferentes. Sempre agimos em família e conversamos muito antes de tomar qualquer decisão.”
Eduardo Lopez da Costa, 48, e Gleide Maria Araújo Louro Costa, 45, são pais de Mateus, 18, e de Monique, 28, e ressaltam a boa convivência com os filhos. Para eles, a diferença de dez anos de idade entre os filhos não apresentou mudanças significativas na fase de adolescência de um para o outro, e tampouco na forma como os pais se relacionam com os dois filhos. “Tenho no meu filho um amigo com quem posso contar e confiar. Faço o possível para apoiá-lo e orientá-lo em suas decisões, mas deixo claro que as consequências dessas decisões deverão ser de sua responsabilidade. Dou liberdade, mas cobro responsabilidade”, diz Eduardo. “Nossa relação é, no meu ponto de vista, muito saudável e prazerosa. Ele sempre conviveu com amigos, familiares e comunidade. Tem muitos referências e exemplos a seguir. Essas convivências todas têm influência muito positiva na formação da sua personalidade e caráter”, completa Gleide.
Para Eduardo e Gleide, a principal diferença por eles percebida quando comparam a própria adolescência com a do filho, foi a abertura para o diálogo. Eles contam que procuram não repetir o que eles reprovavam na conduta de seus próprios pais. “Eu recebia muitas demonstrações de amor e carinho, mas não havia diálogo. Nessa época, talvez por eu ser a filha mais nova e meus pais terem a idade um pouco avançada, eles tinham vergonha de abordar vários assuntos. Por isso, eu procuro deixar todas as portas abertas para que tenhamos conversas francas. Hoje percebo que meu filho é uma pessoa bem expansiva e muito aberta para falar sobre assuntos que eu achava tabu”, relata Gleide.
“Meu saudoso pai era um homem sensacional, me ensinou muito e contribuiu de forma significativa para a formação do meu caráter, mas ele era um pouco fechado, nunca foi de dar mostras de amor, apesar de nunca duvidarmos disso. Ele não era de muita conversa e de apreciar a convivência social. No relacionamento com meu filho, procuro aplicar o que aprendi de mais importante como responsabilidade, honestidade, retidão de caráter e respeito ao próximo. Acho que foi ótimo corrigir as falhas percebidas. Eu nunca tive vergonha ou receio de dizer ao meu filho o quanto ele é importante e o quanto me orgulho dele. Com essas mudanças, me sinto muito mais próximo dele e sei que conseguimos construir uma relação de confiança”, avalia Eduardo.
Os dois dizem não temer o futuro que espera o filho, pois confiam que o criaram da melhor maneira possível e acreditam na capacidade do garoto, que aos olhos dos pais sabe ser bom amigo e cultivar a convivência com as pessoas. Sendo assim, os pais apenas torcem para que ele realize seus objetivos e transforme seus projetos de vida em realidade. “Cremos em Deus e que nada acontece se não for da sua vontade. É claro que isso não significa sentar-se e esperar que tudo caia do céu, e por isso estamos investindo na sua educação e formação. É óbvio que temos nossas preocupações e receios, mas sabemos que as bases para o futuro do Mateus, assim como foram as da Monique, estão sendo bem construídas”, falam.
Sylvia Jane Crivella, autora do livro “O Desafio de criar filhos”, entende que muita coisa mudou no relacionamento entre pais, outros familiares e amigos de pessoas nascidas após 1995, e que, de certo modo, as mudanças não foram tão boas. “Muita coisa mudou. Creio que a pior mudança foi o abismo que se formou entre as gerações, devido ao avanço da tecnologia e o crescimento do mundo virtual. Se continuarmos a alargar este abismo, não sei o que será do nosso futuro. Os pais que pararam no tempo têm muita dificuldade em se comunicar com seus filhos, que vivem num mundo extremamente acelerado. […] Os jovens de hoje são imediatistas e exigentes. Querem tudo no mesmo momento. Quando não conseguem, ficam entediados. […] Os valores mudaram e os objetivos são outros. Os avanços tecnológicos trouxeram consigo uma demanda por respostas rápidas, informações imediatas e interações mais superficiais. O convívio familiar, por sua vez, pressupõe mais tempo de qualidade, mas não precisa ser enfadonho. É tudo uma questão de acharmos o meio termo entre as gerações.”
A escritora salienta que, apesar das diferenças que ela enxerga, é preciso que o adolescente seja tratado com respeito, em especial pelos familiares, e em todos os círculos sociais que “trafegar”, pois quando se sentem amados e valorizados, tendem a serem adultos ajustados. Segundo ela, procurar entender o momento do jovem é a melhor maneira de manter um relacionamento saudável. “Tenho três filhos e durante a adolescência deles nunca aceitei chamá-los de ‘aborrecentes’. É uma fase complicada, mas que passa. É uma transição. Ora são muito grandes para certas coisas, ora muito pequenos. Os hormônios acrescentam uma pitada de confusão emocional e tudo fica um pouco mais complicado. Uma boa maneira de ajudá-los é lembrar-se de quando éramos adolescentes, com todas as nossas neuras, complexos e sonhos. Não acredito que eles sejam frágeis; pelo contrário. Os jovens de hoje são seres pensantes e formadores de opinião. Têm tudo para arrebentar, desde que não percam os fundamentos de uma sociedade equilibrada: os valores da família e o respeito pelo próximo”, afirma.
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